Entrevista: Duo Binaryh
- @elasnotechno
- 26 de out. de 2018
- 6 min de leitura
Atualizado: 20 de nov. de 2018
Ela: “Tenho que correr atrás do meu trabalho tanto quanto um homem”
Ele: “Quero que ela seja vista da mesma forma que eu”

Rene Castanho, 39 anos, e Camila Giamelaro, 37, vivem juntos há cinco anos, e nesse tempo têm dividido mais do que a casa: eles partilham também a profissão, “respirando música 24 horas”, como o DJ diz. Os dois compõem o duo Binaryh, um nome de rápida ascensão dentro da cena eletrônica. Em menos de dois anos de trabalho, a dupla conseguiu ocupar a primeira posição em vendas do selo Black, da gravadora alemã Steyoyoke, no Beatport (site de compra de música eletrônica on-line). O foco desse selo é um som mais pesado, mantendo os grooves – batidas e linhas de fundo da música — e níveis melódicos. Produções do duo também tem sido tocadas por grandes DJs, como as brasileiras BLANCAh e Eli Iwasa, e os europeus D-Nox (alemão) e Ilija Djokovic (sérvio).
Ele produz música desde os 12 anos de idade e frequenta raves desde a década de 90. Ela começou a tocar profissionalmente apenas com 25 anos, por incentivo do parceiro. Aliás, a DJ acredita que a criação do Binaryh foi o impulso responsável por estabelecê-la como artista no mercado. Camila defende, no entanto, que estar na presença do parceiro nunca foi fator determinante para sua carreira.
A DJ conta ainda que no começo o trabalho em parceria precisou de ajustes. ”Eu dava palpites no trabalho dele, e ele não gostava muito, porque ele trabalhava sozinho, era mais experiente e não estava acostumado a ver alguém apontando o que não estava legal. E vice-versa: quando eu fazia alguma coisa que ele não achava bom nos nossos treinos, ele falava para mim e eu ficava brava. Mas isso mudou.” Rene Castanho, no entanto, conta que se preocupava com o preconceito que a parceira poderia sofrer, por ser mulher. Na entrevista, os dois falam sobre a carreira de DJ, em perspectivas de gênero distintas: como foi o início e o crescimento na profissão e as dificuldades encontradas, por cada um.
Como vocês começaram a tocar?
Ela: Quando fomos morar juntos. Tínhamos o nosso estúdio, e eu sempre estava de olho no que ele fazia. Nessa época eu ainda não produzia, só tocava. Mas, como eu sempre convivi com música eletrônica e tenho influência de outros estilos além do techno, eu sempre dava minha opinião. Aí, ele achou legal a minha participação nas músicas e nós iniciamos o Binaryh. Mas iniciamos primeiro como produtores e depois como DJs.
Ele: O lance foi muito natural. A gente não ensaiou ter um duo. Quando a gente viu, já estávamos trabalhando juntos, e então pensamos em um formato para se apresentar juntos.
Como foi o processo para se tornar DJ?
Ele: Na minha época não tinha muita informação ainda. Era bem mais difícil a gente entender o que era ser DJ. Então, eu ia muito para a casa de amigos que já tocavam, e eles me davam toques de como fazer, apesar de não terem muita técnica também. Eu toco desde os meus 12 anos. E me lembro como se fosse hoje que, até eu entender do que se tratava uma mixagem e conseguir fazer uma sozinho, demorou mais ou menos um ano. Hoje, isso é possível por meio de um curso de DJ, em 15 minutos. Eu consegui ser profissional como DJ de 2003 até 2008, mas depois o mercado deu uma caída e eu acabei focando mais na produção do que na discotecagem. Já da parte dela foi diferente.
Ela: É, eu comecei bem mais tarde. Comecei quando ele já era profissional. Eu tinha um blog de música eletrônica na época e através desse blog eu conheci o dono de uma escola aqui em São Paulo, que me deu o curso de DJ. Até então eu só tocava em casa, festa de amigos, churrasco. Comecei a levar o lance de ser DJ mais a sério quando a gente criou o Binaryh. A vontade de tocar já vinha de antes, porque eu já frequentava festas desde os 20 anos, mas eu sempre fui uma pessoa mais insegura para dar as caras. Ele me ajudou muito com isso, ele que me impulsionou. Quando a gente começou a namorar, ele já me incentivava, antes mesmo de pensarmos em ter algo juntos.
Sobre a remuneração, antes do duo, dava para se sustentar com a remuneração de DJ?
Ele: Eu considero que eu virei profissional a partir do momento que eu toquei em um club grande de nome, no meio de outros profissionais, e recebi por isso. Em 2004, eu entrei para uma agência onde eu realmente tinha um cachê bom, que pagava minhas contas e bancava meu lazer. Porém, é instável, sempre foi um fator preocupante.
Ela: Acho que até hoje é assim, na verdade. Por mais que a gente toque em vários lugares, mantemos os nossos empregos “caretas”. O Rene é professor de produção musical em uma escola de DJs em São Paulo e eu sou publicitária de formação, tenho minha agência de comunicação. Mas a parte legal disso é que eu trabalho só com clientes do segmento de música eletrônica. Nós somos profissionais da música, somos DJs profissionais, produtores profissionais, mas ainda não conseguimos viver 100% da renda das nossas apresentações e venda de músicas.

Camila, alguma vez você sentiu diferença por ter construído sua carreira junto a um homem? Já passou por alguma situação em que seu trabalho como DJ por tenha sido contestado por causa do seu gênero?
Ela: Acho que não. Mas não acho que isso seja pelo fato de eu ter o Rene do meu lado como parceiro de trabalho. Acho que hoje estamos em um momento em que muitas artistas femininas estão despontando e mostrando que não é só apertar play. A BLANCAh é uma grande referência minha, é uma mulher que domina todos os equipamentos que ela usa, os softwares. Eu acho que esse “lance” de a mulher se sentir pressionada por preconceito é da cabeça de cada um. Como mulher, tenho que correr atrás do meu trabalho tanto quanto um homem, porque existem muitos homens que fazem um bom trabalho e que não têm reconhecimento, assim como tem muitas mulheres que fazem um bom trabalho e não têm reconhecimento. Acho que não adianta ficar fazendo textão no Facebook falando que “não tem mulher nos line-ups das festas”, se as mulheres não estão realmente fazendo a parte delas, mostrando o trabalho como se deve. O trabalho de um DJ hoje, infelizmente, não é só criar um DJ set de qualidade, mas vai muito além.
Mas, segundo uma pesquisa da Rio Music Conference, apenas 1,7% dos DJs de música eletrônica no Brasil são mulheres. Por que você acha que isso acontece?
Ela: Eu acho que é um lance cultural e mundial, porque isso não acontece só com DJs. Eu acho que isso acontece com médicos, advogados, atores e atrizes. Acho que é normal para todo tipo de profissão.
Ele: Quando a gente pensou em colocar o projeto na rua, eu tinha uma preocupação, sim. Em primeiro lugar porque a Camila é minha esposa: se algo atingi-la, me atinge também. Então, quando eu pensei em ter um live [ao vivo], que é algo sério porque você vai fazer música na frente dos outros, eu procurei nunca deixar brecha para que algo seja dito. Se a pessoa tiver interesse em ver a nossa apresentação, vai ver a Camila sequenciando bateria, percussão, pratos na hora, e sem ela a música não anda. Eu não faria nada sozinho: a parte dela é tão importante quanto a minha. Eu tive essa preocupação na hora de montar o set up, sim, justamente porque eu quero que ela seja vista da mesma forma que eu. São dois profissionais fazendo música ao vivo.
Quais dificuldade vocês já enfrentaram por ser DJs? Já sofreram algum preconceito? Ouviram comentários desagradáveis?
Ela: Preconceito eu acho que não. Julgamento sempre tem da família, né? A gente já está na casa dos 30. Então, nós temos pais que viveram em outra época e, por mais que eu tenha alguns parentes que foram músicos, os meus pais são bem caretas, eles queriam um emprego estável. Mas acho que, fora isso, não [...] Quando a gente entra de cabeça pra trabalhar com esse tipo de coisa, as nossas amizades mudam. Então, a gente fica bem imerso nas pessoas que estão nesse mercado. Nossos amigos são professores de música, DJs, produtores, donos de clubs, de eventos. A gente não tem nem a chance de sentir se existe esse preconceito com o artista.
Ele: Quando a gente fala de família é um pouco complicado [risos]. Minha mãe sempre se preocupou, e perguntava se eu estava feliz. Mas para as outras pessoas da família eu sou o cara da “pá virada”, e eles acham que eu vivo em festa, e é só. Mas que o preconceito existe, ele existe.
Ela: É, a gente só não sente.
Quais são os prós e contras de trabalhar com o seu parceiro?
Ele: O contra é que, se alguma coisa der errado, ela passa por isso também. A parte ruim é que, quando as coisas não dão certo, eu tenho que olhar para ela e falar: “Olha, fica calma. É um dia de trabalho como qualquer outro, não vai ser legal sempre, tem noites que são ruins também”. E essa parte, se eu pudesse não dividir, eu não dividiria. Eu não sei como é para os outros casais que trabalham juntos. Mas, por eu sempre ter convivido com mulher e ter sido o homem da casa, sempre fui muito protetor e trago isso até hoje.
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