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Projetos querem mudar as estatísticas de gênero na cena eletrônica

  • Foto do escritor: @elasnotechno
    @elasnotechno
  • 7 de nov. de 2018
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de nov. de 2018


Euvira e integrantes do coletivo Namíbia | Imagens: Perfil pessoal - Facebook


Uma noite só com mulheres no palco e por trás dele. Elas estão nos line-ups, na mixagem, na manutenção dos equipamentos e na produção do evento. Quem for à festa Sintética, que acontece desde outubro de 2016, em Belo Horizonte (MG), vai poder ver essa cena tão pouco comum na música eletrônica, brasileira e mundial. A ideia foi da DJ Carol Mattos, 25 anos (que está na profissão há três), a partir da sua percepção sobre a falta de representatividade da mulher dentro do espaço da música eletrônica. A artista diz que iniciou o projeto porque conhecia mulheres talentosas em todos os âmbitos necessários para a realização de uma festa, mas que não tinham as mesmas oportunidades que os homens. “A ideia era construir um espaço onde pudéssemos trabalhar todas juntas, sem aquela insegurança toda que é trabalhar em um ambiente masculino, se apoiando, aprendendo umas com as outras”, comenta.


Festa Sintética | Imagem: Perfil pessoal - Facebook

O que impulsionou Carol a desenvolver a festa foram justamente suas experiências pessoais com o machismo, durante seu trabalho como DJ. “Pressupõe-se primeiramente que não temos qualquer conhecimento técnico. Então, é muito comum que os técnicos de som venham nos ensinar a mexer em equipamentos que já conhecemos, sem termos pedido ajuda. Ou que então ignoram quando sugerimos um reajuste na equalização som, mas ouvem quando é um cara que diz a mesma coisa na mesma situação”, diz Carol.


Como a festa depende da disponibilidade de tempo de suas das organizadoras, não há uma periodicidade certa para a realização. Carol diz que conta com a ajuda de várias mulheres na organização e produção do evento, mas, por não cobrar entradas (para ter maior adesão do público), a Sintética ainda não dá o retorno financeiro desejado. Em Belo Horizonte, já houve cinco edições da festa, em diferentes locais. “É um trabalho constante, uma festa dessas é muito difícil de bancar e um line-up inteiramente feminino não tem tanto apelo, porque não são profissionais famosas ou nomes masculinos já comuns nas festas. Por isso, não conseguimos fazer com tanta frequência”, conta.


DJ Carol Mattos tocando durante a festa Sintetica | Imagem: Perfil pessoal - Facebook

O principal desejo da DJ é que Sintética passe a ser importante no cenário musical eletrônico brasileiro, para que as mulheres que passarem por ela sejam reconhecidas e, assim, tenham um impacto positivo em suas carreiras. Com isso, a DJ acredita ainda que vá poder pagar um valor justo pelo trabalho de todas as envolvidas. “Isso infelizmente ainda não aconteceu. O custo de infraestrutura de uma festa é tão alto e conseguir uma grande adesão do público é tão difícil que até agora o evento só foi possível porque várias meninas doaram sua força de trabalho ou receberam muito menos por ela”, desabafa.


O objetivo da idealizadora é expandir a festa para outras cidades e também passar a trabalhar junto com outros coletivos que já produzem eventos só com mulheres em outras localidades, como Greta, de Porto Alegre, Estalada, de Curitiba, UNA, do Rio, e House of Divas, Apex e Bandida, de São Paulo. “Seria maravilhoso um festival com todas elas”, idealiza a DJ.


Os homens, no entanto, ainda são minoria entre o público da Sintética, mas a DJ Carol diz que os que vão ao evento se comportam de maneira diferente. “Uma festa com atmosfera feminina é mais acolhedora para todos, não só para mulheres. Parece que nesses casos os homens também se portam mais cuidadosamente com as mulheres, são menos invasivos. Reverter isso é um processo que não acontece de uma hora para outra. Mas, ainda assim, nota-se muito mais a presença das mulheres na festa. Elas se mostram mais, se impõem mais na pista, ocupam o front. Isso já é perceptível em qualquer set que seja uma mulher tocando”, finaliza Carol.


No país, há ainda projetos com o objetivo de familiarizar as mulheres com mixagem e produção com custos mais acessíveis do que um curso livre ou universitário (saiba mais sobre a formação para ser DJ aqui). Um deles é o projeto Synth Gênero, idealizado pela DJ Érica Alves, 31 anos, do Rio de Janeiro, criado para lutar contra a desigualdade de gênero na profissão de DJ. Os encontros que Érica realiza apresentam às mulheres os instrumentos eletrônicos necessários para a o trabalho de DJ, em especial sintetizadores e baterias.


A coordenadora explica que a ideia de fazer uma oficina de música eletrônica especificamente para o gênero feminino veio da necessidade de descobrir e incentivar mulheres que se interessam por esse tipo de música ou já atuam no meio. “O projeto surge de uma vontade pessoal de combater o machismo estrutural que impede as mulheres de se realizarem profissionalmente em pé de igualdade com os homens, que historicamente gozam de mais apoio social e cultural para a vida pública, em especial na música e na noite”, diz.


O Synth Gênero acontece desde 2015 e já realizou 20 edições em várias cidades, inclusive fora do Brasil, em Berlim, na Alemanha, e Winnipeg, no Canadá. É um único encontro, de aproximadamente três horas, do qual podem participar todas as pessoas que se identificam como sendo do gênero feminino, ou seja, mulheres cisgênero (que se identificam com seu gênero de nascença) e transgênero. A oficina custa de R$ 30 a R$ 50, e mulheres “trans” são isentas dessa taxa. Érica afirma ainda que está tentando fechar parceria com uma produtora para não ter mais que cobrar das participantes. Para 2018, não há nenhuma oficina programada. A DJ comenta que a adesão das mulheres no projeto é boa e que as vinte vagas que são normalmente oferecidas sempre são esgotadas rapidamente. “Elas ficam muito à vontade, se sentem confortáveis para fazer qualquer pergunta. Sempre reforço que é o lugar para tirar dúvidas, sem medo. Respondem muito bem e sempre tenho excelentes ‘feedbacks’ [retorno] delas”, explica.


Outro movimento que quer integrar as mulheres no cenário eletrônico e dar maior visibilidade a elas é o coletivo Namíbia, destinado a pessoas negras, que atua no campo das artes visuais e da música eletrônica em São Paulo. Misael Franco, de 29 anos, também conhecido como Euvira, foi o fundador do movimento na capital. Vindo da Bahia, o transformista lidera o grupo, que hoje tem mais de dez mulheres negras, além de cerca de outros 20 homens, que atuam como DJs e artistas visuais pelas festas paulistas. O coletivo costuma realizar reuniões, rodas de conversa, debates e eventos, sempre relacionando arte e música ao debate de questões de etnia (e também de gênero e sexualidade).


“Quem participa mais atividade são as mulheres, trans, inclusive. Quando a gente tem festa, o headline [atração principal] normalmente são mulheres, A gente também agencia os artistas, e elas são as que têm mais datas. Isso acontece de forma natural. Para a gente, isso é o comum, é o modo que tem de ser”, explica.


Escute o depoimento de Euvira sobre sua trajetória:



 
 
 

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